A decisão da juíza que bloqueou o acesso de todo país ao WhatsApp

A decisão da juíza que bloqueou o acesso de todo país ao WhatsApp é uma ameaça à nossa segurança.

Segundo o G1, ela pede que o Facebook implemente um backdoor para que mensagens sejam passadas para a justiça em tempo real ou que use algoritmos mais fracos que possam ser quebrados.

Argumenta que “se as decisões judiciais não podem ser efetivamente cumpridas, o serviço não poderá ser mais prestado, sob pena de privilegiar inúmeros indivíduos que se utilizam impunemente do aplicativo WhatsApp para prática de crimes diversos.”

Esse discurso é raso e desconsidera fundamentos de segurança digital e criptografia. Uma das melhores respostas a ele foi dada por Tim Cook quando o FBI pediu que a Apple hackeasse o iPhone de um suspeito no atentado de San Bernardino.

Abrir brechas de segurança num aplicativo usado por mais de 1 bilhão de pessoas coloca a segurança de todos nós em risco. Já os criminosos podem simplesmente usar outras ferramentas não tão populares para garantir a privacidade deles.

(E espero que esteja fora de questão proibir pessoas de rodarem os programas que quiserem para se comunicar)

Publicado originalmente no Facebook.

Pela aprovação do Marco Civil da Internet com o princípio da neutralidade

Para quem vem acompanhando os projetos de lei relacionados à Internet nos últimos anos, faz todo sentido desconfiar de qualquer nova tentativa de regulamentação da rede. Afinal, vimos parlamentares defenderem a lei Azeredo no Brasil, as leis SOPA e PIPA nos Estados Unidos e a lei Sinde na Espanha, entre outras, sempre evocando argumentos furados para justificar o controle e a censura da Internet.

No entanto, é preciso ter cuidado: nem toda lei que tem como objeto a rede é ruim para nós. Neste momento, não podemos hesitar em defender a aprovação do Marco Civil. Essa é uma importante trincheira na luta pela liberdade na Internet, que certamente não terminará nela.

A Internet como a conhecemos hoje tem apenas cerca de 20 anos. Foi em 1994 que passou a ser permitido usar a grande rede que surgira a partir de diversas pequenas redes para fins comerciais e só nos anos seguintes que surgiram serviços como Amazon, Yahoo e Google. De lá pra cá, seu uso explodiu e ela se transformou constantemente.

Essa transformação foi possível pois, pela forma como seus protocolos básicos (nas suas camadas de rede e transporte) funcionam, é possível que programadores criem diferentes aplicações, comerciais e não comerciais, com diferentes funções no seu topo. Por exemplo, foi possível criar um protocolo de VoIP como o do Skype, um de mensagens instantâneas como o do Whatsapp, um de streaming de filmes como o Netflix e um de compartilhamento de arquivos como o Bittorrent; todos sem que os roteadores precisassem ser adaptados para suportá-los.

A grande polêmica em torno do Marco Civil diz respeito a um princípio que é muito relacionado com a capacidade de transformação da Internet, que vem sendo discutido no mundo inteiro e que é muito caro aos ativistas e aos entusiastas da Internet: a neutralidade.

Quando nos conectamos à Internet, o fazemos por meio de um provedor de acesso: uma empresa de telecomunicações que possui ligações com outras empresas a fim de nos conectar com computadores, como o nosso, em outras pontas da Internet. Essa empresa tem um grande poder sobre a nossa comunicação. Pode resolver não encaminhar alguma das nossas mensagens ou mudar a ordem dos pacotes que recebe para que a comunicação com determinados servidores seja mais rápida/devagar do que com outros. O que garante que tal discriminação não ocorra é o princípio da neutralidade. Tal princípio é a afirmação de que os roteadores da rede devem ser neutros, isso é, simplesmente encaminharem os pacotes que recebem.

Para essas empresas de telecomunicações, é melhor, por diversos motivos, que a Internet não seja neutra. Assim, elas são livres para lucrarem mais vendendo a Internet como se vende TV por assinatura: o plano básico vem com e-mail e Facebook; se você pagar um pouco mais, pode também assistir vídeos; com outro plano, é possível usar o Skype; e por aí vai. Além disso, uma dessas empresas pode fazer uma parceria com o Yahoo para fazer esse buscador abrir mais rápido do que o Google, por exemplo, ou diminuir a velocidade do Netflix para que seus clientes não parem de pagar seus planos de TV.

A fim de poderem explorar esses modelos de negócios para obterem mais lucros no futuro, as teles (representadas pela bancada do PMDB liderada por Eduardo Cunha) têm feito manobras atrás de manobras para retirar ou colocar exceções à neutralidade no Marco Civil. Não podemos aceitá-las! Estamos pela aprovação do Marco Civil da Internet sem alterações que ferem os princípios da rede.

Publicado originalmente no Juntos.

© 2005–2020 Tiago Madeira