Um passo à frente na disputa pela Internet

A aprovação do Marco Civil da Internet na Câmara foi uma grande vitória. O projeto, cuja criação contou com a participação de ativistas digitais e movimentos pela democratização da mídia, é pedagógico. Pela positiva, mostra como o Estado deve tratar a Internet: fazendo uma guerra contra as empresas de telecomunicações para defender seus usuários, não se aliando a elas para nos vigiar e censurar.

O destaque dado ao princípio da neutralidade no texto coloca o Brasil na vanguarda de um debate que tem sido travado por todo o planeta. A rede deve ser aberta e seus roteadores não devem poder discriminar o tráfego que encaminham a fim de aumentarem o lucro dos provedores de serviço. Isso é importante porque permite que a Internet seja construída coletivamente e usada para todo tipo de comunicação independentemente do quanto se paga para se estar dentro dela.

É verdade que algumas grandes empresas se unem a nós para defender a neutralidade. Isso acontece porque essa característica da Internet também é fundamental para o desenvolvimento econômico liberal. Sem neutralidade, há uma barreira econômica enorme para o surgimento de novos produtos e protocolos, o que contraria o interesse das startups do Vale do Silício e outras empresas que lucram criando serviços nas pontas da rede.

Entretanto, a aprovação do Marco Civil não pode ser explicada pela aliança com esses setores. O projeto de lei, que havia surgido em 2009, ganhou fôlego depois de junho de 2013, momento de dois eventos muito mais significativos: os vazamentos de Edward Snowden e a volta de grandes protestos no Brasil.

Primeiro, porque a espionagem dos Estados Unidos sobre a população brasileira e sobre a própria presidente Dilma fez com que o governo percebesse a necessidade de se posicionar favorável à garantia de direitos fundamentais na Internet. Segundo, porque a percepção de que com mobilização é possível vencer, a importância da comunicação alternativa e a necessidade da defesa da democracia na rede ficaram evidentes a partir dos levantes que mudaram o país.

Ao mesmo tempo que comemoramos, cabe a nós seguir disputando a Internet para que ela sirva cada vez mais para potencializar a disseminação de contra-informação e a organização coletiva. Essa compreensão nos coloca a tarefa de garantir que o Marco Civil seja aprovado também no Senado e sancionado pela Presidente, mas deve ir além disso.

Há muitas disputas sobre a Internet que temos que vencer antes de dizer que ela é um espaço livre e democrático. Projetos de inclusão digital e de investimento em software livre foram abandonados pelo governo e precisam ser retomados. A forma como foi conquistada a aprovação do Marco Civil na Câmara mostra que a única maneira de arrancar isso é com muita pressão.

Além disso, é urgente intensificar a campanha de solidariedade a Snowden. A vida dele, junto com a dos jornalistas e ativistas organizados em torno dele e do WikiLeaks, está no centro da disputa do espaço virtual em escala global. É hora de cobrar coerência do governo exigindo que o Brasil conceda asilo a Snowden!

Publicado originalmente no Juntos.

Webcams de milhões de usuários da Internet são espionadas

Imagens de webcams de milhões de usuários do Yahoo foram interceptadas e guardadas pelo GCHQ com ajuda da NSA. Segundo documentos vazados por Edward Snowden e divulgados ontem pelo The Guardian, a coleta dessas imagens faz parte de um programa chamado Optic Nerve, que começou em 2008 e ainda estava ativo em 2012.

O programa foi usado para realizar experimentos em reconhecimento facial, monitorar os alvos existentes do GCHQ e descobrir novos alvos de interesse. A vigilância foi feita em massa e as fotos puderam ser coletadas e salvas independentemente de elas pertencerem a uma lista de suspeitos ou não.

Um documento estima que 3% a 11% das imagens coletadas contém nudez “indesejada”. Vale lembrar que outros documentos divulgados anteriormente mostraram que a NSA coleta e usa atividades sexuais para destruir a reputação e a autoridade de ativistas.

Já se passam 8 meses desde os primeiros vazamentos da NSA. Durante esse período, centenas de documentos têm revelado mais e mais informações sobre as ferramentas que as grandes potências usam para controlar o mundo. Fica cada vez mais claro que a vigilância em massa ajuda a sustentar um sistema que precisa nos enganar para continuar de pé e que os gestos de whistleblowers como Chelsea Manning e Edward Snowden cumprem o papel fundamental de questionar a lógica desse sistema.

Diante disso, o combate pelo direito à privacidade e a defesa desses “espiões para o povo” é central na luta internacional dos indignados contra o imperialismo e o capitalismo. Nos orgulhamos de termos participado do dia internacional contra a vigilância em massa e de estarmos juntos com David Miranda e mais de um milhão de pessoas exigindo que o Brasil conceda asilo político a Snowden.

Publicado originalmente no Juntos.

© 2005–2020 Tiago Madeira