Bacharelado em Ciência da Computação

Em primeiro lugar quero afirmar aos desavisados que o curso de Ciência da Computação hoje é, na maioria dos lugares, não mais do que o estereótipo indica: um curso de viciados em jogos. Até aí tudo bem; afinal cada um faz o que bem entende nos seus momentos de lazer.

Porém, eu acho que esse fato colaborou para esse bacharelado se transformar num reduto de usuários de computador, pessoas que leram “Computação” no nome e pensaram: “Eu gosto de mexer no computador, acho que este é o meu curso”.

Crianças usando computador (crédito: Christy Tvarok Green/Flickr)

Se já sabemos que funciona, pra que provar?

A realidade que percebo nas turmas, tanto na UFSC quanto no IME-USP, é decepcionante. Quando um professor dá um curso mais forte e teórico, vários alunos se espantam e reclamam que o curso não está formando para a prática. Pior: em muitas universidades o curso está mudando de cara pra satisfazer estes estudantes e não o contrário, como deveria ser. O IME-USP ainda tem um curso excelente, mas advinhe o que os alunos da minha turma aprenderam na primeira matéria do curso (chamada de Introdução à Computação)? Java e programação orientada a objetos. Eles aprendem classes e métodos antes de aprenderem operadores lógicos e laços. Na única aula que fui da disciplina, o professor falava bem do Java porque as classes e métodos podem ter acentos!!!

A situação é tão desanimadora que às vezes penso que o nome do meu curso deveria mudar para não pegar desavisados que não procuram o que é antes de entrar. Deveria ser algo como Bacharelado em Ciência dos Algoritmos, Bacharelado em Matemática Discreta, que tal? Não sei. Mas é obviamente uma besteira: o que precisa mudar são as pessoas. Tanto as que entram no curso, quanto as pessoas em geral, que pedem favores pra cientistas da computação pensando que eles são técnicos de informática. As pessoas precisam entender o que é o curso antes de entrar nele, precisam saber que Ciência da Computação é um ramo da matemática que existe desde muito antes da criação dos computadores digitais.

O primeiro parágrafo do texto da Wikipedia em português sobre Ciência da computação diz (e juro que não fui eu que editei!):

Ciência da computação é o estudo dos algoritmos e suas aplicações, bem como das estruturas matemáticas indispensáveis à formulação precisa dos conceitos fundamentais da teoria da computabilidade e da computação aplicada. Desempenha por isso um papel importante na área de ciência da computação a formalização matemática de algoritmos, como forma de representar problemas decidíveis, i.e., os que são suscetíveis de redução a operações elementares básicas, capazes de serem reproduzidas através de um qualquer dispositivo mecânico/eletrônico capaz de armazenar e manipular dados. Um destes dispositivos é o computador digital, de uso generalizado, nos dias de hoje, pelo custo reduzido dos componentes eletrônicos que formam o seu hardware.

Se o Java já tem um heap implementado para que reinventar a roda?

Edsger Dijkstra, um dos grandes cientistas da computação de nossa história, disse certa vez:

Ciência da Computação está tão relacionada aos computadores quanto a Astronomia aos telescópios, Biologia aos microscópios, ou Química aos tubos de ensaio. A Ciência não estuda ferramentas. Ela estuda como nós as utilizamos, e o que descobrimos com elas.

Telescópio (crédito: gogoninja/Flickr)

É por tudo isso que abandono a sala ao ouvir que hoje em dia classes são mais importantes do que laços e nomear corretamente funções é mais importante do que conhecer algoritmos. (Sim, já ouvi isso de um professor dentro da universidade.)

Declaro-me a favor de um curso de Ciência da Computação onde os computadores sejam tratados apenas como ferramentas. Há outros cursos (técnicos) para quem não pensa assim e entra na universidade buscando uma formação sobre desenvolvimento ágil e produtividade. Não estou criticando quem busca isto. Porém, na minha opinião, estes definitivamente não deveriam entrar num curso chamado Bacharelado em Ciência da Computação.

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© 2005–2020 Tiago Madeira